No Brasil essa forma de expressão ganha força rápido e faz história. Conheça o projeto que promove uma série de oficinas de grafitti para os moradores da comunidade do Heliópolis.

Imagine uma Nova York monocromática, com antigas construções – que na época não tinham nada de antigas – lojas de artigos telefônicos, a falta da internet e jovens deixando suas marcas nas paredes da cidade que nunca dorme. Este era o contexto visual dos anos 60, período em que um dos mais importantes movimentos de arte urbana nasceu, o grafitti.

Por definição, o grafitti é uma manifestação artística criada em espaços públicos como paredes, edifícios, ruas etc. Sendo por vezes, considerado uma forma de expressar seus valores e pensamentos mais revoltos. Por este motivo, muitos estudiosos da arte, consideram que as primeiras manifestações do gênero surgiram milhares de anos atrás, nas cavernas e no Império Romano.

Falando em Roma, naquela época, as inscrições eram feitas nas paredes dos monumentos, por manifestantes para demonstrar protestos ao Estado e a forma de se governar. O que também explica um pouco do público que prática a arte de grafitar hoje.

Tempos se passaram e as pessoas começaram a perceber que os adeptos desse tipo de expressão artística, traziam na essência a realidade dura e a opressão que boa parte da sociedade vive diariamente, especialmente os que se encontram as margens da sociedade, moradores de comunidades e complexos urbanos financeiramente menos favorecidos. É como se o grafitti fosse a voz e refletisse a verdade nua e crua das ruas.

“Os primeiros grafites de Nova York foram feitos no bairro do Bronx com tinta em spray. Os jovens da época protestavam contra a ordem social e deram início à um grande movimento de arte urbana” diz Daniel Bazco, grafiteiro a 23 anos, formado em artes visuais e agora arte-educador do projeto Uma Virada de Cores.

Em São Paulo, o movimento chegou no final da década de 1970, numa época um tanto conturbada da nossa história, os dias da ditadura militar. Paralelamente à arte que figurava com tudo em Nova York, o grafitti chegou nas comunidades como uma arte transgressora, uma representação da marginalidade, sem pedir licença expôs nas paredes e em seus traços os incômodos de toda uma geração.

A principal ideia era ressaltar os desenhos em si, e não o autor e por isso, inicialmente nenhum desenho tinha o nome de seu responsável, sendo como uma arte flutuante e misteriosa em sua forma de cutucar os que por ela passavam. Com essa filosofia, o movimento do grafitti foi crescendo e ganhando cada vez mais espaço, com mensagens que abordam temas principalmente de cunho político, cultural, social, humanitário e, sobretudo, artístico!

No Heliópolis não é diferente

“Eu comecei a grafitar sem ninguém do meu lado, me sentia sozinho e achei vazão nessa solidão para encontrar a minha arte. Hoje o grafitti é a minha vida, meu lazer, meu trabalho, minha casa, meu manifesto e é isso que eu passo para eles, os alunos, digo que é possível viver daquilo que a gente acredita.”

Daniel começou a aprender sobre grafitti na prática, com 12 anos de idade e hoje faz parte de projetos envolvendo oficinas no maior complexo populacional do país, o Heliópolis. Ele conta que viu um rapaz em sua cidade natal, desenhando em papel e se aproximou para uma conversa:

“Perguntei pra ele, o que era e como fazia para conhecer mais sobre… Foi aí que eu conheci o grafitti, comecei a ler algumas revistas sobre e mesmo que naquela época não tivesse muito do assunto, foi o suficiente para que eu sonhasse com as artes. Demorei muito para conseguir comprar os equipamentos certos, mas quando comecei, não parei mais” diz o artista.

O projeto do qual participa se chama “Uma Virada de Cores” e foi uma produção feita pela união de mãos, começando pela Associação de Intercâmbio Sociocultura (AISCE) e a empresa carioca Burburinho Cultural, indo até as parcerias de artes da comunidade. Essa virada oferece 40 oficinas de grafitti de cinco dias de duração para jovens de 12 a 29 anos da comunidade do complexo e suas regiões.

“Já realizamos mais de 30 murais de graffiti por Heliópolis e envolvemos mais de 400 jovens com o projeto! Por serem vivências mais longas, as oficinas proporcionam desde o entendimento de história, estilos de graffiti e as relações entre graffiti no Brasil e a Colômbia, até a realização de murais em si, passando pelo exercício direto das técnicas em sala de aula” conta Thiago Ramires, Produtor Cultural e coordenador do projeto.

Por meio de sites como o Facebook e o Sympla, a organização divulga as datas onde ocorrerão as oficinas, e 20 grafiteiros – dentre eles 17 brasileiros e 3 colombianos – ensinam os moradores junto a alguns arte-educadores de como grafitar e quando essa expressão começou a ser a linguagem das comunidades.

Daniel como arte-educador, tem o papel de mediar os artistas e os alunos, contextualizando a história. “Eu acredito que para participar desse projeto, as pessoas têm que ter uma autoestima muito elevada, pois é aqui que você expressa suas ideias e formas de pensar. (…) sinto no olhar, que esses alunos têm muito potencial, mas precisam de um empurrão e de um espaço para se libertarem e começarem a produzir coisas novas e autênticas.”

Falando em autenticidade, aí está o momento de falarmos do papel da pichação nesse contexto de arte da comunidade. Grafitti e pichação vêm de um mesmo mundo, mas tem vertentes totalmente diferentes. A pichação consiste em traços e expressões mais simples que o grafitti, mesmo que ambas tenham em mente quase o mesmo objetivo: De manifestar-se como oposição a algo ou denunciar a desigualdade social.

Wesley Fabiano é morador do Heliópolis, grafiteiro e ex-pichador, nos conta um pouco da cena que essas formas de expressão têm na comunidade. “O grafitti era mais do que representatividade pro pessoal da comunidade, era uma forma de vida, depois de um tempo, era a minha forma de vida. Eu vivo isso intensamente, mas reconheço que a pichação foi a base de tudo pra mim, ela também é como um movimento, só que este, único, um grito pessoal que representa um subgrupo, enquanto o grafitti é um movimento cultural nascido e criado na rua, uma forma de expressão dividida.”

Retrocedendo na história, mais especificamente maio de 68, a vontade de tomar a cidade a partir dos muros, refletia o sentimento de uma juventude descontente que queria tomar o poder junto aos trabalhadores. Refletia o descontentamento com o velho, e a luta pelo novo, na construção de uma outra sociedade.

Nos dias atuais a maior parte da população mundial vive em cidades, em meio ao caos das grandes metrópoles, os pichadores encontram nas ruas e paredes privadas o espaço para sua representação.

“Para mim, a pichação é uma arte agressiva, que nem todos estão preparados para entender. Eu não sou pichador, acho que não teria a coragem desses caras, mas admiro! Deve ser uma puta adrenalina, escalar no meio da noite para poder deixar a sua marca em um local ilegal e dizer algo com isso, mostrar que um grupo da comunidade também está sofrendo, o picho é um ‘olha pra mim’, que ninguém liga”

Com a cabeça estava a mil, Wend não conseguia mais dormir. No meio da noite, colocou seus sprays dentro da mala e saiu de casa com um pano no rosto, minha família já estava em sono profundo, mas achei na parede de um prédio um local pra descansar minhas ideias, pichei meu recado.

“Já perdi alguns amigos na ação do picho, mas admiro esse grupo, acho que se fossem lugares públicos não teria tanta graça, não teria essa euforia para se expressar, para deixar sua marca no mundo. A intenção do picho vem para mostrar que a cidade está respirando. É uma coisa que eu acredito, eles têm essa intenção de foder com as coisas, querem chamar a atenção do dono, dizer que isso faz parte da urbanização, do nosso social.” Diz Daniel.