Por Anuar Sayed, Barbara Teisseire, Gabriela Pereira, Renata Couto, Samirah Fakhouri e Yasmin Luara.

Como uma poesia marginal alcançou um lugar no meio como manifestações de arte e como, para seus participantes e simpatizantes, ela serve de refúgio.

Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.

Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.

Leminski

SE PUDESSE SER UM, SER SERIA A POESIA MARGINAL?

A poesia é algo que está presente no mundo desde os primórdios da arte. Passion by sonetos of Camões, a Ilíada e a Odisseia with their structures, podem ver o que a poesia sempre influenciou no modo como as pessoas expressam seus sentimentos, vontades e muitas vezes, suas críticas. No verso, a ideia de como tudo estava virado de cabeça para baixo na década de 70, sobretudo aqui no Brasil, onde os artistas estavam cansados de serem silenciados pelas mordidas da Ditadura Militar . Influência de uma nova geração de contracultura e novas formas de produção e disseminação, uma Geração do Mimeógrafo, uma chamada Poesia Marginal. Os artistas representavam e ainda representam a voz da minoria, as vozes vindas da periferia. O que para o país significa rimas de alto teor de denúncia, impacto social e claro, motivo de tabu e preconceito para alguns.

Onde existe um preconceito com direito a existir resistência e militância. Certo de que uma linguagem poética sempre carregava um erudito e formal, uma Geração do Mimeógrafo era totalmente o oposto, transformando essas estéticas em um aconchego espontâneo, onde se depositavam revoltas, mágoas, conquistas e batalhas.

A Poesia Marginal pode ser encontrada em algumas formas mais rápida e diferente. expressão. O resultado da dissuasão é um aumento na quantidade de pessoas impactadas pelas mensagens e um maior prestígio nos artistas que no passado foram desvalorizados.

SLAMS

Os Slams são campeonatos de poesia onde, normalmente, os participantes têm até três minutos para apresentarem sua performance — uma poesia de autoria própria, sem adereços ou acompanhamento musical. O texto pode ser escrito previamente, mas também pode haver improvisação. Além da competição em si, podem haver outras poesias, sejam elas previamente escritas, em forma de RAP ou outro estilo musical.

Semelhantes a um sarau, os slams são eventos que, muitas vezes, carregam grande importância pessoal para seus integrantes. Muitos aproveitam a oportunidade para recitar poemas que facilitam o desabafo em relação a problemas pessoais, sejam eles ligados a depressão, ao preconceito sofrido no dia a dia ou a qualquer outro assunto que lhes atormente a alma. A poesia tem ajudado muitas pessoas que sofrem caladas, tirando-as da violência do cotidiano. Tais pessoas, após recitarem suas obras, saem do local aliviadas.

Além dessa importância pessoal e sentimental, existe a importância política. Diversos poemas criticam o racismo, o preconceito, o desprezo para com a classe mais baixa da sociedade. O evento oferece para as pessoas marginalizadas pela mídia e que apanham da sociedade todos os dias a possibilidade de falar. Devido a diversos cortes públicos realizados em 2016, a verba destinada a educação e cultura tem baixado cada vez mais, fazendo com que as coisas não funcionem como deveriam. Isso dificulta o acesso da população das periferias a cultura, embora a região central, mesmo com poucos repasses nessa área, sempre tenha algo acontecendo. Por esse motivo, os Slams buscam oferecer ás pessoas que habitam em regiões periféricas o acesso à cultura e ao pensamento crítico.

O slam brasileiro já possui certo reconhecimento dentro do âmbito mundial, graças a competição mundial de slam, que ocorre na França e já conta com a presença de poetas brasileiros que já chegaram, inclusive, até a semifinal.

Com o intuito de compreender melhor o funcionamento dos Slams, visitamos o evento que ocorre toda primeira segunda-feira do mês na praça Roosevelt e conversamos com alguns artistas que fazem parte do coletivo de Poesia Marginal.

SLAM RESISTÊNCIA

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O Slam Resistência surgiu em 2014, e encontra suas raízes em reuniões que aconteciam na praça Roosevelt entre movimentos sociais e advogados ativistas. Esses eventos eram conhecidos como Quintas de Resistência, e debatiam muito sobre a violência policial contra manifestantes, principalmente em relação as manifestações ocorridas em 2013, as chamadas jornadas de junho. Nessas reuniões, em meio a uma fala e outra, costumavam despontar algumas intervenções poéticas. Um dos integrantes do grupo, que frequentava o Slam da Guilhermina, a partir dessas intervenções sugeriu a criação do Slam, que veio a se concretizar em outubro do mesmo ano. Uma característica marcante do evento é o fato de que, antes do início de casa poesia, é proferida em coro a frase “Sabotagem, sem massagem na mensagem! Slam Resistência!”

A praça Roosevelt possui duas bases policiais. Um dos grandes problemas enfrentados pelos integrantes do Slam em 2017 foi relacionado as atividades da Guarda Civil Metropolitana, que queria encerrar as atividades do evento. Não havia diálogo, apenas ameaças. Os guardas faziam menção a leis como a da Perturbação da Ordem e a lei Psiu, que valem a partir das 22h, ameaçavam chamar a tropa de Choque, apreendiam instrumentos musicais e intimidavam diretamente os participantes do Slam. O cenário é de ditadura não declarada.

O Slam resistência mentem contato constante com outros Slams do Brasil e diversas vezes conta com a participação de poetas de outros estados. Nessa espécie de sarau, todo mês há um vencedor escolhido por 5 juízes que são selecionados em meio ao público. No final do ano, é realizada uma competição entre os vencedores de cada mês para a definição de um vencedor geral, que participa do Campeonato Estadual de Poesia Falada SlamSP. Os cinco melhores desse campeonato vão para a competição nacional, o SlamBr, e o ganhador deste recebe uma vaga no mundial, que ocorre em junho, na França.

A maioria dos poetas que se apresentam no Slam são da zona Leste, embora o evento também conte com artistas e público da própria região central, além de outras regiões e até mesmo de outras cidades, como Guarulhos, Poá, Osasco e inclusive do litoral. O evento também é assunto de diversas pesquisas, estudos e trabalhos. O Slam é frequentado por pessoas de diversas idades, embora a maioria seja adolescente.

POESIA MARGINAL É QUESTÃO DE SUPERAÇÃO

Se tratando de um movimento marginalizado, a poesia marginal sofreu uma série de empecilhos para chegar ao patamar de reconhecimento e visibilidade que se encontra atualmente. Dentre eles podemos citar, por exemplo:

• A Alienação

Para que a poesia marginal seja interpretada da forma “certa”, para que se desperte o olhar para o próximo, para que essa nova maneira de expressão surta o efeito esperado, é preciso que haja a ação de “sair da bolha” de ambas as partes (tanto de quem vai escrever a poesia quanto de quem vai ter acesso a ela). Na sociedade que vivemos atualmente, é muito comum que a grande massa viva alienada em um mundo onde as coisas não são reais. A desigualdade passa a não incomodar a grande maioria, estando todos acomodados de maneira que não se enxerguem as injustiças sociais. Por que uma sociedade acomodada e alienada se interessaria por algo que tem o intuito de causar desconforto e, pensando positivamente, mudar, ao menos um pouco, as injustiças sociais?

Diante de toda essa alienação, a poesia teve que contornar os desafios para chegar ao grande público com essa arte, que é diferente de todas as outras. Os meios de divulgação não foram os mesmos que uma exposição no MAM tem; não se vê sobre poesia marginal no jornal nacional. Assim, os eventos tiveram que ser expostos em locais públicos (em praças por exemplo) e as poesias tiveram que ser divulgadas por contas pessoais dentro das redes sociais (instagram e youtube tiveram um grande peso para que o trabalho tomasse proporções grandes). A alienação daqueles que vem da periferia é ainda mais preocupante. Por estarem inseridos em um meio no qual as drogas, injustiças e preconceitos (que vão desde cor até crença) são tratados com normalidade, tudo isso se torna banal e comum.

Perceber que essa situação não é normal e que toda essa injustiça é fruto de um sistema que, no fim das contas, tem como produto final a desigualdade, já é um avanço inenarrável. No entanto, essa percepção não é comum na sociedade, fato que se mostrou (e ainda se mostra) como uma barreira para que a poesia marginal se perpetuasse.

• Preconceito com quem vem da periferia

Além do fato de que já existem inúmeros empecilhos para aqueles que vêm da periferia entenderem a injustiça na qual eles estão inseridos, como a falta de acesso à cultura, a educação e ao conhecimento, existe ainda a visão de que são um peso morto a sociedade, resultando em um preconceito daqueles considerados pertencentes as classes “média-alta” e “alta” para com aqueles considerados de classe “baixa”, ou seja a população marginalizada, o berço da poesia marginal. Esse fato torna-se então uma barreira para que a poesia possa ter impacto social e atingir a parcela privilegiada da sociedade, uma vez que, baseados no preconceito construído, muitos não veem o potencial naqueles eu moram na comunidade e veem as produções deles sempre como algo inferior, não dando o crédito merecido para aqueles que se dedicam a arte das mais diversas formas.

• Dificuldade de reconhecimento da poesia como arte

Uma vez que sociedade atual está inserida no sistema capitalista, é comum que só tenha peso e importância aquilo que de lucro para as grandes empresas. Consequentemente, arte é deixada de lado e considerada como algo de “segundo plano”.

Por mais que a arte seja minimizada como um todo, dentro desse universo é perceptível que algumas artes sofrem mais repressão que ouras. A poesia é um exemplo disso; apesar de ser reconhecida por muitos como uma forma nobre de literatura, como algo necessário a ser estudado nas escolas, falar em poesia como ferramenta de mudança social é algo muito recente e, para que se conseguisse tal feito, muitos tiveram de lutar para superar as dificuldades causadas pela visão de que a poesia é algo sem importância social.

Ao se falar em poesia, a primeira coisa que aparece na cabeça de todos são os poemas eruditos ensinados nas escolas, como a Ilíada e a Odisseia de Camões, e que necessitam de uma profunda analise para que se desvende o que está por trás dos versos escritos com palavras que muitas vezes são desconhecidas por quem efetua a leitura. Para quebrar essa visão quadrada e arcaica de poesia surge a geração mimeografo. Com o vocabulário de rua, um vocabulário oral que inclui palavrões, gírias e expressões que são próprias do dia-a-dia de diversas pessoas, a poesia marginal busca aproximar o poema e o leitor. Por ter esse formato, quando a parcela privilegiada da população tem acesso as letras de raps ou ate mesmo as primeiras obras marginais escritas, julgam que aquilo não pode ser considerado nem poesia, quem dirá arte.

APÓS OS OBSTÁCULOS VEM O TRIUNFO

1- Copa do Mundo de Slam

A copa do mundo de poesia falada funciona da seguinte maneira: primeiramente acontecem os campeonatos estaduais, como o Slam SP, que reúne os campeões do circuito de slams do estado em dois dias de atividades, classificando os cinco primeiros colocados para a grande final no Slam BR. Este, por sua vez, é o primeiro campeonato de poesia falada nacional, sendo realizado também em São Paulo e com duração de quatro dias. Nele, é disputada uma vaga para representar o Brasil na Copa do Mundo de Slam na França, onde são encontrados 26 poetas de países diferentes e 80 poetas franceses vindo de 20 cidades da França. Os poetas possuem até três minutos para performar seu texto- sem a utilização de figurinos, adereços ou instrumentos musicais- e convencer o júri do torneio, que é escolhido a cada rodada dentre o público.

2- Atenção do público que não vem da periferia

A poesia marginal vem ganhando cada vez mais destaque entre os não marginalizados. Prova disso é seu aparecimento nas grandes mídias, reconhecendo a importância do trabalho dos poetas marginais e valorizando-os.
No (famoso) portal G1, por exemplo, no dia 20 de março de 2016, encontramos uma reportagem com o seguinte título: “Competições de poesia crescem em SP e dão voz a artistas de periferia”. No subtítulo, explica-se melhor: “Chamados de slams, desafios estimulam criatividade dos participantes. Disputa tem regras, jurados e abre debate para questões sociais”.
E é justamente devido às questões sociais que estão representadas pelos artistas que vivem à margem da sociedade, que é tão importante o reconhecimento de suas poesias.
Outro exemplo da aparição dos poetas em mídias de destaque é a matéria do dia 9 de janeiro de 2018 no site Huffpost, em que são reunidos sete vídeos que “vão te apresentar a força da poesia falada”.
O fato de aparecer tanto no G1 quanto no Huffpost não só demonstra o quanto essas poesias vêm ganhando poder, mas também ajuda a fortificar o lugar delas entre os não marginalizados.
Além disso, o próprio fato de um campeonato mundial ter sido criado só para os slams reforça a importância que eles vêm ganhando.

3- Impacto social na vida das pessoas

Ouvir uma poesia criada por aqueles que foram marginalizados traz uma nova visão de mundo para aqueles que não tiveram as mesmas condições de vida. É realmente de se abrir os olhos.
Ao escutar o ponto de vista dos marginais, os ouvintes conseguem entender melhor como funciona sua realidade, que por tantas vezes é cheia de obstáculos e preconceitos.
E, para os que já estão inseridos em ambientes como a periferia, os slams trazem uma nova oportunidade: enxergar outros horizontes (podendo chegar até a França, por exemplo).

AFLORDESCENDENTE

Para algumas pessoas a arte da rua, uma poesia inspirada na vida e um convívio com os olhares é muito falada, é uma boa definição para o que representa uma Poesia Marginal de hoje. Entramos em contato com a poeta Aflordescendente, por meio do Slam Resistência, e pudemos observar mais de perto uma narração em versos de pessoas “esquecidas”, que ela chama de Poesia Periférica.